quinta-feira, 23 de maio de 2013

Os dias perdidos de Holanda






Holanda era uma mulher de 35 anos. Às voltas com cigarro e um livro. Dois vícios que a solidão lhe trouxera, sempre com uma história não vivida no olhar, sempre com um sonho perdido no espaço, roubado pelas estrelas. Diante do rio Holanda onde estava, lembrava a última vez que o vira tão cheio, tinha 14 anos e um destino incerto, com a morte da mãe  um ano atrás e com o casamento recente do pai sobra-lhe a solidão que mais tarde se tornaria uma inseparável companheira, mas que lhe traria uma sanguessuga chamada tristeza. O pai lhe propusera  a morar com os tios que não tinham filhos, ou morar sozinha, numa casa que ele custearia, por algum tempo. A esposa nova detestava a garota e sua tristeza por ter perdido a mãe. Holanda optou por morar sozinha, de início a solidão era dolorosa, como que a abrir-lhe um buraco no peito, a abrir-lhe uma cratera na alma. Holanda só tinha um questionamento. O que estava fazendo no mundo?
E foi ali que começou a perder seus dias.
Perder seus dias pensando, lastimando, se dissolvendo. Queria partir. Holanda só queria partir.
Apaixonou-se uma vez. Para seu maior erro. Holanda sempre considerara o amor falso, fingido, unilateral, sempre havia um que amava mais que o outro. E quando olhava seu pai, que partia para o terceiro casamento, sem nunca mais ter-lhe dirigido a palavra, doía-lhe.
Ao apaixonar-se compreendeu a unilateralidade do amor, a não correspondência simultânea era dolorosa, Holanda terminou sozinha. Sem nada querer mais da vida.
Todos partiam, todos indefinidamente deixavam-na sozinha, com os restos do coração na mão, tendo de curar-se sozinha.
Nestes momentos Holanda sentia a tristeza sugar-lhe a alma, e mantinha a calma, o não sentir nada era mais fácil. Os caminhos de Holanda eram tão sem vida, o mundo transformara-se numa pocilga, e ela começou a odiar as pessoas a sua volta, o seu trabalho, o seus amigos, salvando-se apenas os animais.
Holanda não queria mais viver, mas ainda assim seguia em frente. Que droga de mundo injusto era esse? Que Deus existia nesse universo que fosse capaz  de permitir alguém vir ao mundo apenas para fazer volume, ser a estatística triste de algum jornal, o empecilho na estrada da evolução...
Holanda murmurava tristemente, estava tão cansada da mesquinhez da vida, das pessoas, do governo.
Naquele dia quando saíra de casa, ouvia Cartola, passou na lanchonete e comprou dois cafés. Um dos cafés  entregou a um desses mal aventurados que ficavam pelos cantos da vida, assim como ela apenas para fazer volume, ser estatística de uma triste vida.
E agora estava ali, sentada observando as águas do rio que a conhecera ao longo da sua mal vivida vida.
As águas amareladas, barrentas de um rio que provavelmente tinha muita coisa para contar.
Holanda suspirou... seria assim sua vida tão sem propósito? Alguns religiosos diziam que Deus tem um propósito na vida das pessoas, e que algum dia teríamos nossa missão cumprida.
Mas Holanda duvidava muito que sua vida tivesse alguma finalidade, vivia uma vida perdida que não tinha sentido.
Um grito tirou-a de seus pensamentos, e uma menina se aproximou desesperada da beira do rio onde ela estava, gritava como que em completo desalento.
-Meu cachorro caiu no rio.
A correnteza do rio cheio era intensa, forte, carregava tudo, galhos de árvores e o pobre cachorro da menina.
Holanda levantou-se e aproximou-se da margem. Pulou.
Holanda não sabia nadar. Mas naquele momento aquele detalhe não lhe era de muita importância, a correnteza tratou de levá-la para bem perto do animalzinho que se debatia tenazmente. Ela o agarrou com certa dificuldade, com rapidez o atirou para a margem. Naquele momento, já muitas pessoas se aproximavam curiosas da beira do rio. Num esforço para voltar, Holanda sentiu que algo prendia seu pé. Um frio trespassou sua espinha, sentiu suas mãos suarem, mesmo dentro da água. Holanda se debateu, e foi ficando nervosa, aquilo que grudara em seu pé a arrastava para cada vez mais longe da margem, de superfície dura. Holanda imaginou algum animal, mas notou que seu pé havia prendido num galho de árvore. Chorou um pouco. Alguns homens se aproximaram, pularam no rio. Mas já era tarde demais.  Submergiu mais uma vez e nessa última vez Holanda viu seu pai. Ele também vinha em seu socorro, em seu socorro. Tarde demais.
Mas Holanda sentiu ser arrastada para baixo da água mais vez uma vez. Viveu toda a sua vida para aquilo, para salvar um animal, e assim fazer a diferença, naquele segundo, para fazer uma garotinha sorrir.
Então, dos dias perdidos que Holanda vivera, apenas um realmente valeu apena.
E ela havia cumprido a sua missão.

Um comentário:

  1. Em resposta da ação de sermos... somos um colecionar de reações... até que o reagir seja o deixar de existir!

    ResponderExcluir